Conversando com
Kátia Nascimento Medeiros
Mês de março começando e com ele nossas homenagens ao bibliotecário. Nossa conversa é com ela, que tem muitas histórias a contar.
Formada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Amazonas/UFAM em 2008, é Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Roraimense de Ensino Superior/FARES com o artigo “Importância da escola bíblica dominical na formação de valores das crianças” e aluna especial no mestrado. Bibliotecária da Universidade Federal de Roraima/UFRR (http://ufrr.br/) desde 2012.
Essa narrativa é um pouco de sua trajetória, onde partilha a experiência acumulada nesses seis anos, nos abre a porta de seus momentos pessoais e profissionais.
Colocar o pé na estrada foi o primeiro ato de coragem, lançar-se rumo ao desconhecido, segurar as expectativas, abrir mão da companhia da família, foram algumas das primeiras barreiras a serem superadas.
E tudo começa com uma necessidade de emprego. Onde encontrar? Aonde ir? E de longe vem a oportunidade que começaria a mudar sua vida pra melhor.
Seu filho, que é militar, mora em Boa Vista há uns anos e na faculdade particular onde estuda surge uma vaga na biblioteca e sem pensar duas vezes consulta a mãe quanto ao interesse na vaga, que de pronto aceita a oportunidade e envia o currículo. Em três dias está trabalhando em uma cidade longe da sua. Desse tempo então, está a seis anos e meio na cidade que a colheu e lhe deu sustento.
Trabalhou por um ano, foi quando recebeu a proposta para um cargo comissionado no Estado na Escola de Saúde do SUS (http://www.retsus.epsjv.fiocruz.br/…/escola-tecnica-de-saud…) e lá ficou por um ano também, porque foi convocada para assumir o cargo de bibliotecária na UFRR, em 2O12 e levou consigo as experiências enriquecedoras e gratificantes vividas, tanto na Faculdade de Teologia e Pedagogia quanto da Escola da Saúde.
Nossa bibliotecária define sua trajetória, desde sua formação até a atuação profissional em que se encontra, numa frase: “foi uma conquista, pois as coisas foram acontecendo e não houve um planejamento”, ou seja, se deixou levar pelas boas oportunidades e circunstâncias. E ao olhar pra trás percebe tudo o que conquistou de bom em pouco tempo, o que a leva a dizer que ir pra Boa Vista foi uma ótima decisão, pois se tivesse continuado em Manaus, talvez não tivesse as mesmas vitórias. É grata à cidade que lhe ofereceu boas oportunidades, abriu portas e a acolheu bem demais.
E fazendo uma retrospectiva, lembra-se do trabalho voluntário na Biblioteca Comunitária Socorro Chaves, em Petrópolis, quando ainda era aluna, experiência que trouxe muita aprendizagem. E considera o fato de ter cursado a faculdade de biblioteconomia, como um bote salva-vidas, pois como comentou com familiares, em visita a Manaus, pela ocasião da passagem de seu aniversário em fevereiro de 2016, que “pra gente conquistar as coisas tem que ter estudos, não tem outro caminho”. Não podemos enxergar somente as dificuldades, até porque “não é tão difícil se houver força de vontade e pra uma mulher com 39 anos entrar numa universidade federal, conseguir formar e ter êxito em um concurso para um emprego federal, não é fácil. Eu me emociono, pois passei por muitos problemas e me vejo vitoriosa hoje”. Durante os quatro anos da faculdade passou por muitos problemas e agradece aos colegas mais próximos que se tornaram amigos por darem apoio nos momentos mais difíceis, Soraya Lomas, Val e Adaísa. “Haviam dias em que a cabeça estava em outro lugar, de tantos que eram os problemas mas com a ajuda de um de outro consegui concluir”. Ter cursado biblioteconomia também a ajudou a passar por tudo de uma forma grandiosa, pois se não estivesse estudando, não sabe como teria sido sua vida.
E como foi ficar longe da família e buscar emprego em outro estado? “Foi difícil, mas era necessário. Porque antes de ir pra Boa Vista estava desempregada e sem lugar pra ficar, morava de favor na casa dos amigos”. Ao ir para outro Estado sozinha, se deparou com a dificuldade de se adaptar, mas vê esse momento como impar no seu amadurecimento, a começar pela conquista de sua casa, o início da independência e crescimento. Os meses iniciais foram difíceis, chorava muito, pois sentia falta da família. Deixou quatro filhos em Manaus mas o apoio deles foi fundamental nesse momento. Ressalta a ajuda de uma cunhada, que ligava constantemente dando incentivo, palavras de apoio, motivando para que continuasse onde estava, que poderia superar as dificuldades, criar laços. Isso a ajudou muito, uma vez que nem todos conseguem.
A adaptação foi favorecida porque a biblioteconomia é promissora na cidade, “os que se formarem e quiserem vir pra Boa Vista não ficarão desempregados.” Ao chegar na cidade se deparou com várias ofertas de emprego na área. Pôde escolher entre três faculdades, todas pagavam bem, porém uma delas ainda pagava três meses de aluguel adiantado mas optou por uma mais perto da casa onde morava.
Vamos falar a vida profissional?
Qual a atividade dentro da área mais se identifica? “Gosto de compor. Escrever projetos, relatórios e não me identifico com processamento técnico”.
O que mais gosta na profissão? Como se sente sendo bibliotecária? “Embora as pessoas não considerem a profissão uma das melhores, costumo dizer que me sinto realizada profissionalmente, também me favoreceu a estabilidade econômica e muitas conquistas e não sei se estivesse em outra profissão estaria tão bem quanto estou hoje, pois a minha profissão é maravilhosa. Ainda na graduação consegui estágio desde o segundo período, paguei aluguel, custeie os gastos com faculdade com esses recursos. E apesar da profissão não ser valorizada é uma das melhores. Lamento que não sejamos reconhecidos como deveríamos”.
Esse quadro de desvalorização pode mudar, mas é nossa responsabilidade profissional pesquisar, publicar artigos, falar do fazer bibliotecário, mobilizar a categoria para mudarmos a visão que nós mesmos temos desse profissional e assim dar visibilidade ao tipo de profissional que queremos que a sociedade enxergue. É dizermos a nós mesmos e aos demais que não somos unicamente guardadores de livros, que não ficamos no balcão de atendimento apenas para fazer empréstimo e pegar as devoluções, somos capazes de desenvolver projetos que inovem.
Atualmente temos mais recursos, um exemplo são as redes sociais, onde há um movimento que se preocupa em mostrar pra sociedade o que faz o bibliotecário, o coloca em evidência nas diversas áreas, sendo escolar, especializada, pública, universitária e sem esquecer as comunitárias.
E os projetos em seu local de trabalho?
Há três anos atua na Escola de Aplicação, que é uma escola de referência dentro da UFRR, que tem ensino básico, fundamental I e II, e ensino médio, várias turmas, num total de 489 alunos, uma média de 25 por turma. Explica que como a escola tem uma política pedagógica a seguir, tudo deve estar o de acordo com o Currículo Escolar, todo projeto deve passar pela Câmara, que é uma equipe de professores que analisam os projetos a serem implantados. Como existe uma programação no currículo que envolve a biblioteca nas atividades a serem desenvolvidas, ela segue o cronograma estabelecido. “É difícil aplicar outro projeto devido à escassez de datas livres”.
E o acervo?
A melhoria do acervo se dá em parceria com a Biblioteca Central, que recebe as solicitações, compra, processa e envia os exemplares para a Biblioteca Escolar. A composição da lista ainda é realizada sem a participação integral dos professores, apenas alguns enviam sugestões, a maioria voltada para literatura e material didático. O foco maior no momento é o ensino médio, devido à proximidade das provas seletivas para as universidades. E quanto à frequência dos alunos, a do ensino fundamental ainda não é efetiva por falta de espaço no horário disponível para os alunos fazerem uso livre da biblioteca, além da falta incentivo por parte dos professores que pedem para os alunos do fundamental I pesquisarem na internet, assim são levados a acessarem o Google ao invés de pesquisar na biblioteca. Já o ensino médio frequenta mais e sugerem livros para aquisição. Para as atividades de atendimento, tem o apoio de dois bolsistas.
E em relação ao espaço físico, mesmo sendo uma escola de referência, passa pelo mesmo problema que muitas bibliotecas, em relação à criação de um ambiente adequado, pois também existe num espaço adaptado, que uniu duas salas de aula, mede 11x7m² e o layout não é satisfatório. Porém já existe um projeto para construção de um prédio próprio aguardando apenas verba para o início das obras. Além disso, uma das últimas conquistas foi o sistema de segurança para o acervo, que já está com as etiqueta de segurança. Pois os alunos “levam” muitos livros, o que chegou a assustar a reitora, “crianças roubando livros? Não?!”, disse assustada em uma reunião.
Quando perguntada como se define, uma longa pausa, olhar fixo e uma resposta: “não havia parado para pensar nisso. Mas numa palavra sou “Determinada”, pois quando quero verdadeiramente algo vou em busca”.
Reconhece que faltam cursos de qualificação na área, como mestrado e doutorado, “vamos nos adequando em outras áreas”. Sugere que a formação na graduação possa ter mais prática e espaço para trabalhar melhor os vários tipos de biblioteca, pois teoria e prática devem caminhar lado a lado e que os professores possam ver as tendências do mercado.
Seu livro favorito: O monge e o executivo de James C. Hunter.
Mensagem para os colegas?!
“Ouvir uma frase de um administrador de uma empresa do Distrito Industrial de Manaus, em palestra proferida no Alternativo de Petrópolis: Não devemos criar problemas para alcançar o que queremos. E quando tiver que lutar por seus objetivos vá, não pense na dificuldade da distância. Isso também me ajudou a decidir em ir. Às vezes perdemos oportunidades por medo do desapego. É preciso estar disposto pro que der e vier, encarar as adversidades. Ariscar quando necessário. Eu saí fortalecida com a ida à Boa Vista, hoje sou outra mulher”.
Então é isso, esse projeto tem o objetivo de falar um pouco sobre os bibliotecários do dia a dia, que fazem acontecer e que visitam a Biblioteca de Ciências Exatas e Engenharias na Ufam. Precisamos sair do “não sei fazer” como falou a Kátia em um trecho de nossa conversa, devemos pesquisar, estudar e realizar. Formar parcerias, pois são necessárias na troca de experiências e dicas. A categoria tem que ser unida e ética, para não denegrir o colega por não dominar todas as áreas da profissão, vistos alguns casos, afinal, quem é especialista na escolar não é na especializada e vice-versa. Nesse momento entra a troca de conhecimento.
O bibliotecário deve buscar sempre inovar.
Lúcia Martins